Banco dos Réus

Marcus Renan Palácio de Morais Claro dos Santos (*)

 
 

 
 

O Des. Fernando Ximenes, quando Diretor do Fórum Clóvis Beviláqua aboliu, através do Provimento nº 005/2006, o chamado “banco dos réus”. A partir desse ato normativo, os acusados da prática de crimes dolosos contra a vida, consumados ou tentados, submetidos a julgamento perante o Tribunal do Júri, em qualquer das Varas Especializadas desta Comarca de Fortaleza, não mais poderão ser expostos naquele “banco”, isoladamente. Permanecerão os acusados, durante a respectiva sessão, ao lado do seu respectivo defensor técnico, na Tribuna a este reservada.

Foram as seguintes as considerações invocadas para a extinção do “banco dos réus”: a) a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, III, da CF/88); b) o princípio da presunção de inocência (art. 5º, LVIII, da CF/88) deve ser concretizado tanto na condução do processo penal como nos rituais inerentes à atividade do julgamento; c) o banco dos réus é um resquício de práticas medievais atentatórias à dignidade da pessoa humana; d) inexiste previsão legal para a imposição desse humilhante ritual, que distancia o acusado do seu defensor e dificulta a comunicação de ambos, atingindo o pleno exercício do direito de defesa (art. 5º, LV, da CF/88).

De fato, a exposição pública e em lugar distinto de acusados nos locais de julgamento deve ser rejeitada por diversas razões. A primeira delas envolve dúvidas sobre a constitucionalidade de se manter o acusado em espaço físico separado, sujeito a olhares de reprovação e distante de sua assistência jurídica. Uma vez havendo a atual CF/88, objetivamente, escolhido o princípio da presunção do estado de inocência – ou da não culpabilidade – (art. 5º, LVII, da CF/88), a exposição isolada do acusado já atrai opiniões e olhares que, por si só, não se desvinculam da idéia do crime, no momento em que ainda não se deu a sentença. Para o imaginário social, não é difícil reconhecer que o acusado, sentado, isoladamente, no “banco dos réus”, apresenta-se como uma pessoa de classe social inferior, destituído de qualquer atributo que o qualifique como comum cidadão.

De igual modo, recai sobre o acusado, no mínimo, uma indicação de que o mesmo é previamente culpado da prática do crime pelo qual está sendo julgado. Não nos parece tão evidente este raciocínio se se permite que o acusado esteja sempre ao lado de seu defensor, tratado como presumidamente inocente –
ou não culpado.

Outra razão, igualmente objetiva, para o mérito à medida tomada, naquela época, envolve o apelo histórico da exposição pública e constrangedora de acusados. Não somente julgamento, como execuções eram realizadas em praça pública, durante a Antiguidade e Idade Média. A pública e vexaminosa exposição de acusados não objetivava somente o exemplo. Era também uma demonstração de que o governante não admitiria o dissenso, a divergência, seja de palavra e – menos ainda – de ações. Mais que exibir um exemplo, a exposição pública separada de réus traduzia o escândalo do poder do Estado fora do controle e submetido somente à raison d?état absolutista, incompatível, desta forma, com a republicana democracia social dos dias atuais.

A vigente CF/88, por haver eleito o princípio da dignidade da pessoa humana como um de seus fundamentos (art. 1º, III), proíbe, seguramente, a utilização ou transformação do ser humano em objeto de degradação por meio de processos, ações estatais e/ou julgamento. A exibição, portanto, do acusado, isoladamente, no “banco dos réus”, nas sessões de julgamento do Tribunal do Júri, observado, inclusive, por olhares de “curiosos”, fere o princípio da dignidade humana. Some-se a tudo isso a ausência de previsão legal para aquele banco. A circunstância de ser um costume ou uma tradição, não autoriza sua manutenção, já que essa prática consubstancia um atentado à dignidade do ser humano. Estado está vinculado ao dever de respeito e proteção do indivíduo contra exposição a ofensas ou humilhações.

Assim sendo, a medida adotada pelo Des. Fernando Ximenes, enquanto Diretor do Fórum Clóvis Beviláqua merece seja imitada por todas as Comarcas do Estado do Ceará, por quem detentor de prerrogativa para tanto, até porque, ressalte-se, com o advento da Lei 11.689/2008, a presença do acusado à sessão plenária, antes exigência legal nos casos que indicava a original redação do CPP de 1942, deixou de ser imperativa.

 
     
 

(*) Marcus Renan Palácio de Morais Claro dos Santos é Promotor de Justiça em Fortaleza e mestrando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

 
     
 

Nota - Este artigo foi publicado no Jornal O Povo, Edição de 30/08/2009, Coluna Opinião, p. 07.