A expressão latina nemo tenetur se
detegere significa, literalmente, que ninguém é
obrigado a se descobrir, ou seja, qualquer pessoa
acusada da prática de um ilícito penal não tem o
dever de se auto-incriminar, de produzir prova em
seu desfavor, tendo como sua manifestação mais
tradicional o direito ao silêncio. Tanto o direito
ao silêncio quanto o direito à não
auto-incriminação, além de haverem sido consagrados
em documentos internacionais de proteção aos
direitos do homem (Convenção Americana de Direitos
Humanos - também conhecida como Pacto de San José da
Costa Rica - e o Pacto Internacional de Direitos
Civis e Políticos), têm sido, de forma expressa ou
implicitamente, adotados pela maioria das
legislações constitucionais e infraconstitucionais
nos Estados Democráticos de Direito.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948),
embora faça referências à presunção de inocência e à
não-utilização da tortura, deixou de mencionar o
princípio nemo tenetur se detegere, consagrando-o
implicitamente. O princípio nemo tenetur se detegere
está presente, portanto, explicitamente, nas
Constituições do Brasil, da Espanha, da Argentina e
dos Estados Unidos da América do Norte e,
implicitamente, nas Constituições da Alemanha,
Portugal e Itália.
No campo infra-constitucional de muitos países, como
Alemanha, França, Itália, Espanha, Portugal,
Dinamarca, Bélgica, Noruega e Argentina, por
exemplo, pode-se observar diversos dispositivos
mitigando ou restringindo a incidência do referido
princípio. No que diz respeito ao Brasil, Marcelo
Schirmer Albuquerque esclarece que tanto a doutrina
quanto a jurisprudência brasileiras "não conseguem (re)visitar
velhas certezas que, entretanto, jamais restaram
cientificamente justificadas, seja histórica, seja
teleologicamente. Assim agindo, dão ao nemo tenetur
se detegere uma conotação de verdadeira imunidade em
face da atividade probatória, que não encontra
respaldo nos documentos internacionais sobre
direitos humanos, que se limitam a afirmar que
"ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento
ou castigo cruel, desumano ou degradante", a
afiançar a toda pessoa acusada um "julgamento
público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as
garantias necessárias à sua defesa" ou, no máximo, a
reconhecer seu direito "de não ser obrigada a depor
contra si mesma, nem a confessar-se culpada".
Prosseguindo, assevera Schirmer, que "em países de
reconhecida tradição no âmbito dos direitos humanos
e em outros de também indiscutível desenvolvimento
nas dogmáticas Penal e Processual Penal, o nemo
tenetur se detegere quase nunca vai além da
prerrogativa de se calar em interrogatório ou de se
recusar a depor".
Assim sendo, a legislação brasileira, que não tem a
tradição de admitir, mesmo por meio de ordem
judicial, a condução coercitiva do acusado da
prática de crime à submissão de exame laboratorial -
intervenções corporais - para a extração de material
à comprovação de sua responsabilidade penal em casos
cujos indícios se lhe apontam como autor do
respectivo delito, necessita avançar, sem retirar do
imputado os direitos à ampla defesa e ao
contraditório, respeitando-se, no mais, seus
direitos fundamentais. Num Estado Democrátido de
Direito, no qual não somente as decisões são
democráticas em sua substância, mas produto de
processos igualmente democráticos, não há muito o
que se temer quando da relativização do princípio
neno tenetur se detegere. É que a não absolutização
de direitos e garantias fundamentais não representa
nenhuma novidade, seja na doutrina, seja na
jurisprudência constitucional.